Quase um ano após ter sido declarada a pandemia da Covid-19, nos deparamos com uma nova onda de casos em economias importantes, como Estados Unidos e Inglaterra, e medidas para conter a propagação da doença, além do crescente risco de restrições, que alimentam as incertezas, mesmo com o início da vacinação nestes e outros países. No Brasil, o clima é de completa incerteza. E apesar de promover impactos diferenciados, é certo que o Corona Vírus adoeceu também a atividade econômica tanto nos países desenvolvidos como nos emergentes, causando efeitos colaterais como movimento da inflação, alteração nos hábitos de consumo, transformações no setor da saúde e políticas econômicas, entre outros. É certo que estas alterações registradas até agora deixarão marcas profundas e nos levarão a um mundo diferente no pós-pandemia. E dentro deste cenário, a indústria cinematográfica mundial também padece e os impactos não estão restritos apenas às salas de projeção paralisadas desde março – quando a Rush, produtora de conteúdo audiovisual, localizada em Campinas, interior de São Paulo, com mais de 30 anos atuando na área, publicou um artigo intitulado Qual será o Futuro das Salas de Cinema no Pós-Pandemia? – e se estendem a outros elos da cadeia produtiva do audiovisual, que envolvem a produção e a distribuição.
Assim como em outras esferas da sociedade, a indústria cinematográfica tem sido afetada por dificuldades financeiras, estruturais, conjunturais e artísticas. Com os projetores desligados em boa parte do planeta, o circuito exibidor se viu diante de uma crise sem precedentes, mesmo que a diminuição de espectadores já viesse se anunciando há anos e acabou por acelerar um processo que ainda caminhava de forma lenta. A estimativa é que quase dois terços dos cinemas nos Estados Unidos e Canadá, os maiores mercados de filmes do mundo, permanecem fechados. A receita das bilheterias em 2020 despencou 80% em relação ao ano anterior. E a reabertura das salas ainda esbarra não apenas na desconfiança do público, mas numa série de medidas de segurança que dificultam a recuperação do setor. Mesmo com a redução da capacidade de público, proibição da venda de pipoca, instalação de suportes de álcool em gel, protocolos de higienização e manutenção dos sistemas de ar condicionado, o público tem se mostrado reticente para retornar aos cinemas que devem continuar amargando os reflexos da crise 2021 adentro.
Já as filmagens de produções que estavam em curso neste período tiveram seus cronogramas alterados e o retorno aos sets impõe medidas de precaução contra a transmissão do vírus e alterações de roteiro para garantir o isolamento social, o que impacta em custos extras, inflacionando os orçamentos. Além disso, ouve um acúmulo de estreias de blockbusters que acabam ofuscando filmes de orçamentos menores, produções independentes e, claro, os títulos nacionais. No Brasil, no que que tange às leis e mecanismos para a realização de produções, os profissionais do setor já enfrentavam dificuldades antes mesmo da pandemia. Com a necessidade do isolamento social, os trabalhos foram ainda mais impactados. A ajuda governamental, neste caso, ficou restrita a linhas de crédito para capital de giro, as quais apenas poucas produtoras conseguiram acesso, dentro de um contingente de mais de 30 mil, a maioria de pequeno e médio porte, fortemente impactadas pela pandemia.
Pandemia e alta do streaming apressam mudanças há anos previstas no cinema
Neste período de isolamento social o público apreciador da arte audiovisual tem apostado bastante na assinatura das plataformas de streaming que, por sua vez, necessitam de constante renovação, com a inserção de novas produções. Um alento, visto que o setor audiovisual é responsável por uma grande movimentação social, artística e econômica. De olho na audiência, os grandes estúdios têm alterado suas estratégias de lançamento e se movimentado para a formatação de plataformas próprias, como é o caso
da Disney, que desembarcou recentemente no Brasil com o Disney+. Mas o remédio tem fortes efeitos colaterais, pois para atender a demanda por novidades no streaming, as janelas de exibição estão sendo encurtadas ou extintas. “Mulan” e “Soul“, por exemplo, trilharam este caminho e desembarcaram no Disney+, sem passar pelos cinemas. O argumento é que, com a pandemia, poderia haver um acúmulo de estreias este ano, reduzindo o impacto dos lançamentos ao dividir a atenção da audiência. Mas o grande golpe mesmo ficou por conta do blockbuster “Mulher-Maravilha 1984”. A expectativa é que a super-heroína ajudasse a salvar o circuito exibidor. Mas a Warner Bros optou por disponibilizar o longa, simultaneamente na HBO Max, sua plataforma de streaming, ainda não disponível no Brasil, e já avisou que outros dezessete títulos previstos para este ano, vão seguir a mesma estratégia. O desconforto foi imediato. Mais ponderada, a Universal Pictures foi atrás de duas das principais redes de cinema do mundo, Cinemark e AMC Theaters, para negociar uma diminuição da janela de exibição, ou seja: reduzir o tempo em que um filme é disponibilizado com exclusividade nos cinemas. O prazo despencou de 75 para 17 dias. Segundo os executivos do estúdio, trata-se de uma medida emergencial para mitigar os efeitos da crise, mas especula-se que o encurtamento da janela deva perdurar no futuro.
Aos exibidores, que não possuem o mesmo poder de fogo dos estúdios, que podem recorrer as plataformas de streaming para fazer os seus filmes chegarem aos espectadores, apesar do isolamento social, restou recorrer a montagem de cinemas drive-in. A novidade agradou e audiência e virou febre em vários países, se apresentando como uma alternativa segura para garantir uma dose de entretenimento durante a quarentena. Mas, obviamente, o poder de alcance não passa nem perto das salas tradicionais. Esta também foi a solução encontrada por festivais e mostras cinematográficas que, para não desistir das edições já programadas para 2020, optaram pelo modelo. Depois do cancelamento de Cannes, que seria realizado em maio, no auge da pandemia, Veneza reinaugurou a temporada de festivais, em setembro, com uma edição mais restritiva, mas presencial, contando com a participação de nomes importantes da indústria, como a atriz australiana Cate Blanchett, nomeada presidente do júri.
E se engana quem imagina que o clima de distopia dentro da indústria cinematográfica é fruto apenas da Covid-19. Os ventos fortes da mudança já sopravam mesmo antes da pandemia, embora o enredo ainda não previsse nenhum cataclisma maior. Os alicerces se movimentaram quando o Oscar, a maior premiação do cinema mundial, foi para o filme sul-coreano “Parasita“, abalando o status da Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood ao premiar uma produção não falada em língua inglesa, algo inédito. Para completar, o antes celebrado produtor Harvey Weinstein foi condenado, em março, a 23 anos de prisão, após denúncias de casos de estupro e assédio sexual contra estrelas de Hollywood, como Ashley Judd, Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow, Cara Delevingne e Lea Seydoux.
Contudo, apesar dos percalços, que ainda são muitos e que, sem dúvida, aceleraram um processo irreversível de mudança de comportamento da audiência, os proprietários das salas de exibição seguem otimistas, apostando numa recuperação, ainda que incipiente, com o início da vacinação. Para isso, eles contam com a ajuda de um exército de peso que inclui o agente secreto James Bond, que voltará às telas em “007 Sem Tempo para Morrer” trazendo a quinta e última aparição de Daniel Craig como o charmoso espião, e a super-heroína Viúva Negra, em produção solo, que devem, muito em breve – já na próxima temporada de estreias, de março a junho, que coincide com a primavera do hemisfério norte – começar a combater o fantasma da pandemia. São filmes grandiosos, que apostam na magia do cinema e que merecem ser vistos na tela grande. Mas a missão agora vai além de entreter e agradar os espectadores, é
preciso convencer o público que é seguro retornar aos cinemas e assim ajudar o circuito exibidor voltar a florescer.
Rush Video – Ideias em movimento