O futuro retratado em muitas obras cinematográficas alcançou o nosso presente e a ficção se transformou em realidade. A inteligência artificial já é um fato em vários segmentos, inclusive no audiovisual. E para não perder o bonde da história, os grandes produtores apostam em startups para embasar suas apostas. Ano passado, a Warner Bros confirmou uma parceria com a Cinelytic, que utiliza machine learning e inteligência artificial para ajudar estúdios e empresas de conteúdo a fundamentar seus investimentos, assegurando um melhor desempenho comercial. Mas não foi a pioneira. Na vanguarda, a 20th Century Fox, em 2018, publicou um artigo explicando que o uso de IA já era uma realidade na companhia, ajudando, por exemplo, a entender o tipo de público que cada trailer atrai e com isso compor peças mais atraentes para determinados perfis. O Brasil segue na lanterninha, atrasado um ou dois anos, em relação ao que está sendo feito nos Estados Unidos e China. Por aqui, o uso dos recursos de IA ainda são incipientes e o mercado segue avaliando a qualidade e aplicabilidade dos dados obtidos pelas ferramentas de IA.
Aplicações
Para começar é importante esclarecer que é um grande engano associar a inteligência artificial a uma tecnologia “plug and play”, que funciona como se fosse um aplicativo ou um software, por exemplo. Ela é apenas parte de um projeto complexo, uma trilha a ser percorrida.
No audiovisual, a análise de dados permitida pelas ferramentas de IA se tornam cada vez mais relevantes à medida que diminuem os riscos de grandes investimentos em projetos fadados ao fracasso. O remédio, porém, tende a surtir um efeito colateral que pode incomodar os fãs mais puristas da sétima arte: a profusão de filmes amparados em roteiros bem-sucedidos tende a render uma safra de produções de baixa qualidade criativa, com histórias muito similares, levando ao esgotamento da fórmula. Em contrapartida, há de se considerar que cinema é arte e que existem várias nuances responsáveis por impulsionar um sucesso, algumas mais imprevisíveis, mais sutis, como o despertar de sentimentos, da emoção. Há ainda os elementos surpresa, como a chegada de uma pandemia, por exemplo. Tudo isso vai impactar no comportamento da audiência e, consequentemente, no desempenho das bilheterias. Pesquisadores da área, inclusive, apostam que o big data será mais utilizado para a análise de informações relacionadas ao interesse do público, enquanto a neurociência se encarregará de mapear fatores emocionais, ligados ao impacto de cada imagem sobre o espectador no contexto da história. Todos também são unânimes em afirmar que a tecnologia tem muito a acrescentar para o desenvolvimento da indústria cinematográfica. Não por acaso, o Vale do Silício, inclusive, já desembarcou em Hollywood, liderados pelas plataformas de streaming da Apple e Amazon.
Aliás, por falar em streaming, vale dizer que estas plataformas foram as precursoras do uso de dados coletados pelas ferramentas de IA na produção audiovisual. Especula-se que a série “Stranger Things”, grande sucesso da Netflix, por exemplo, teve seu roteiro desenvolvido a partir de algoritmos de consumo. Com claras referências de grandes sucessos das décadas de 1980 e 1990, a atração traz pitadas de “ET – O Extraterrestre”, “Conta Comigo”, “Alien”, “Carrie – a
Estranha”, “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, “Evil Dead”, “Goonies” e “Poltergeist”, apenas para citar as mais óbvias. A pergunta é: será que a empresa teria, de fato, mapeado a audiência desses filmes e chegado a uma fórmula de sucesso capaz de atrair também as novas gerações? Especialistas na área que garantem que sim. Especulações à parte, fato concreto é a utilização do Big Data para compor a lista de sugestões, que é personalizada para cada assinante, pautada em rastros de ações, arquivados em bancos de dados e cruzados para compor as recomendações. Com isso, é possível trazer à luz títulos esquecidos do acervo, induzindo os usuários a consumir produções que de outra forma seguiriam no limbo do line-up. Foi assim que o algoritmo da plataforma já ajudou a ressuscitar seriados como “Arrested Development” e “Fuller House”, além de estreitar a parceria com a Marvel com produções como “Demolidor” e “Jessica Jones”. No ano passado, quando anunciou a presença em 130 países, Reed Hastings, CEO da Netflix, explicou que quando um membro inicia uma sessão, é importante que a plataforma ajude na busca rápida por algo atraente, prevenindo que o serviço seja preterido por outra alternativa de entretenimento.
É certo também que a plataforma acompanha, em tempo real, o que as pessoas falam sobre os títulos de seu catálogo nas redes sociais. Esta análise é material farto para os produtores não apenas oferecerem o conteúdo certo por categoria, mas também fazerem uso das informações para a criação de novos roteiros, além de desenvolvimento de novas temporadas convergentes com as expectativas do público. A análise dos dados é feita sempre em duas frentes: a que será usada para a criação e a disponibilização de conteúdos originais e a outra que vai criar estratégias para estimular o seu consumo.
Big Data no Brasil
Mantendo a liderança também no caminho para se tornar uma media tech, a Globo já revelou que faz uso de ferramentas de inteligência artificial para monitorar o consumo, recomendar conteúdo, evidenciar títulos e mapear os hábitos do público no Globoplay. A empresa confirma que técnicas de big data e machine learning são o material de trabalho de 600 profissionais de tecnologia que atuam no hub digital do grupo. Um comunicado emitido pela empresa e divulgado pela mídia afirma que a Globo está colocando a tecnologia no centro das decisões de negócio, passando a ser vista como protagonista no processo de transformação, na busca por inovação e performance, em toda a cadeia de valor.
Diante deste novo cenário, uma nova profissão ganha cada vez mais relevância: o cientista de dados. No audiovisual este será o profissional capaz de ler e interpretar as informações coletadas pelos algoritmos, conseguindo assim antecipar tendências, entender o que está fazendo sucesso e porque para assim nortear a criação de conteúdos cada vez mais palatáveis ao gosto da audiência e, portanto, mais lucrativos. A criatividade agora é instigada pela tecnologia, que impõe o desafio de agradar e surpreender, porém de forma calculada e assertiva.
Rush Video – Ideias em Movimento.