Inicio minha participação no blog da Rush Vídeos com uma pequena série de textos explorando o universo do cinema independente. Como já tenho alguns anos de estada, hoje me sinto confortável em passar adiante um pouco da experiência que adquiri na última década, em que trabalhei arduamente, sofri, me decepcionei, fui feliz e sobretudo, aprendi demais.

Fazer filmes é algo que hoje — ao contrário de 15 anos atrás — está ao alcance de todos. O que não significa que você deva necessariamente fazê-los e definitivamente não significa (mesmo), que você passe imediatamente a ser um cineasta, ou um diretor de cinema, tão logo junte uns amigos e grave as primeiras cenas. Longe disso. Antes de qualquer coisa, é preciso se preocupar com a sua imagem, para os outros e para si mesmo. Você sempre pode fingir e criar um universo de autoelogio nas redes sociais, muitas pessoas vão acreditar por um curto período de tempo, mas logo você cairá em descrédito e ficará com a cabeça pesada no travesseiro. Tenha calma!

Claro que a popularização das câmeras e sobretudo dos celulares, democratizou imensamente a possibilidade de produção, mas cuidado! Isso realmente equivale a dizer que você deva tentar de qualquer jeito, ou sem qualquer estudo. Provavelmente, isso vai “queimar seu filme” (me perdoem o trocadilho) e vai te viciar num tipo de produção que hoje tem muito pouco apelo – aquele trash ruim e tosco, que era engraçado nos anos 80/90 e que hoje é simplesmente sinônimo de “filme ruim demais para perder tempo”. Lembre-se, até os canais do youtube tem uma produção mínima e o volume de vídeos e filmes disponíveis tornou o público mais exigente com questões técnicas.

Sendo assim, escrevo principalmente para aqueles que, como eu, desejam começar pela porta dos fundos, o que é diferente de começar por baixo. Começar pela porta dos fundos é pior e melhor ao mesmo tempo. Pior pois provavelmente não vai te garantir uma ascensão na “indústria” e melhor pois te garantirá — ao longo de vários anos de trabalho — uma verdadeira liberdade artística para criar e ao mesmo tempo ter domínio de todas as funções dentro de uma produção independente, o que certamente te fará feliz por não depender de muitas pessoas para te ajudar — a maioria delas estudantes incompetentes de cinema que não conseguem enxergar além do umbigo dos professores das universidades, que normalmente estão bastante atarefados curtindo o próprio ego ou envolvidos na manutenção de uma política cultural auto congratulatória.

A garantia da sua liberdade é vital e deve ser resguardada como uma bandeira a ser protegida e e preservada a qualquer custo e para que isso aconteça com sucesso, você tem que ter uma certeza: a produção independente é um animal completamente distinto da produção comercial, ou “profissional”. Se você passar anos como “logger”, ou“gaffer”, provavelmente saberá muito mais do que eu sobre sobre a arte dessas funções, mas passará vergonha dirigindo um filme sem orçamento, ou com orçamento limitado. Você simplesmente não foi treinado pra isso. Hoje raramente temos segmentos em que os profissionais sabem todas as etapas de cada processo. Na medicina por exemplo, tem um profissional do pé esquerdo e outro para o pé direito, apenas uma facécia, e isso nos tira a visão geral.

Por isso, quando eu digo “começar pela porta dos fundos”, é bem mais que tomar cuidado ou negar a modinha acadêmica e é isso que eu gostaria de mostrar ao longo

desses pequenos textos. Não é simples rebeldia, é uma escolha política e essa escolha tem a ver essencialmente com o que cada um entende por arte. Ainda mais no Brasil, um país em que (quase) todo mundo entende a arte da mesma forma.

Não fiz faculdade de cinema e jamais pensei em fazer, acredito que a academia acaba criando uma visão viciada e repetitiva, tanto estética quanto textual. Se você fez, tudo bem, basta levantar a cabeça e perceber que existe um céu azul além dos prédios dos institutos e das salas de aula; existe vida inteligente longe dos jargões acadêmicos.

Claro que isso não é um privilégio dos cursos de cinema, abandonei um doutorado em História Cultural por sentir que estava me tornando apenas um repetidor, ou seja, um picareta profissional. Não me arrependo do curso que fiz, ele me ensinou a escrever, pesquisar e me abriu um universo infinito de possibilidades para criar personagens, histórias e universos, mas ao mesmo tempo estava me tornando acomodado e preconceituoso com tudo o que não tinha o selo da academia.

Criar não é uma ciência exata e sempre que alguém te diz que deve ser assim, está simplesmente tolhendo sua liberdade ou está com medo de ser superado. Com isso não estou dizendo que não existam regras básicas e conceitos quase pétreos, daqueles que só podem ser quebrados se você os conhecer profundamente. Eles existem, mas você pode aprende-los por quaisquer fontes, desde que mantenha sempre a cabeça aberta e os olhos e ouvidos atentos.

Por isso, é preciso cautela. Coisas como “não é possível fazer um filme sem o equipamento x ou y”, ou “todas os roteiros devem ser analisados a partir de dois ou três pontos” são apenas (e sempre serão), uma espécie de salvaguarda de quem não tem coragem ou simplesmente não tem capacidade de ir além. Todos que revolucionaram o cinema independente não deram bola para uma (ou todas) essas regras.

Não pense por um instante que isso seja uma desculpa para que você crie qualquer coisa e depois se esconda atrás da touca do “gênio incompreendido”. Nada é mais chato que isso. Antes de mudar as regras, é preciso conhece-las. Eu mesmo nunca me senti seguro o bastante pra quebrar a maioria das regras. Lembre-se que você não poderá explicar suas decisões para todos que assistirem aos seus filmes e mesmo que isso seja possível, um filme que necessita de nota de rodapé tende a ser bem maçante e por isso, desinteressante para a imensa maioria do público.

No entanto, não sou um gênio. Se você é, muito bem, arrebente tudo! Se também não é, fique ligado nos textos que virão a seguir e comece pelo começo com o pé direito!

Rush Video – Ideias em movimento