As mulheres este ano estão dominando a cena cinematográfica e conquistando alguns dos principais prêmios da indústria. Foi assim no Oscar quando a cineasta chinesa Chloé Zhao, de 39 anos, recebeu a cobiçada estatueta de direção por “Nomadland” e se tornou também a segunda mulher a levar a honraria para casa. A primeira foi Kathryn Bigelow, que venceu na categoria melhor direção por “Guerra ao Terror”, em 2009. Em Cannes, foi vez da francesa Julia Ducournau faturar a Palma de Ouro por seu filme “Titane” e entrar para a história como sendo a primeira mulher em 74 anos de festival a conquistar sozinha a premiação. Em 1993, Jane Campion, faturou o troféu por “O Piano”, mas teve que dividir o pódio com Chen Kaige por “Adeus Minha Concubina”. Depois do cancelamento do evento ano passado em função da pandemia e da alteração do calendário deste ano, a edição de 2021 aconteceu entre 6 e 17 de julho e reuniu dezenas de celebridades, que desfilaram sorridentes pelo seu tapete vermelho, num cenário que em nada lembrava os desafios impostos pela Covid 19. O que não quer dizer que os cuidados tenham sido ignorados. Organizadores e autoridades locais apostaram em protocolos e exames rígidos de coronavírus para evitar problemas no evento, que aconteceu no mesmo momento em que o governo francês intensificou os alertas sobre os casos crescentes da variante Delta da Covid19, altamente transmissível.
O festival este ano, aliás, teve como missão extra ajudar o setor a se recuperar do golpe desferido pela pandemia global, lançando os holofotes sobre as produções, estratégia para despertar o interesse do público, ainda reticente em voltar às salas de cinema. E nem mesmo a gafe do presidente do júri Spike Lee, que revelou o resultado antes da hora, tirou o brilho de Julia Ducournau, 38 anos, uma cineasta ousada, transgressora e feminista, com um estilo singular, fascinada pelos processos de transformação do corpo. Vale destacar que o seu “Titane” foi alvo de polêmicas, provocando mal-estar na plateia com cenas de violência e cores vibrantes. Uma mistura de drama, comédia, suspense, ação e ficção científica, a produção é continuação da trama canibal de “Raw”, que também deu muito o que falar ao ser lançado na seção Semana da Crítica de Cannes, em 2016. Desta vez, Julia provocou burburinho ao mostrar sua protagonista estrelando uma performance de sexo ardente com seu Cadillac. Suas pernas recobertas por meias arrastão se abrem sobre o capô, ao ritmo de uma música potente e inquietante. Polêmicas à parte, o filme narra a trajetória de Alexia, vivida por Agathe Rousselle, uma jovem dançarina, andrógena e muito sensual, que após um acidente de carro na infância tem um implante de titânio instalado no crânio e a partir daí começa demonstrar impulsos assassinos. Vale ressaltar também que o filme foi a segunda Palma de Ouro consecutiva da distribuidora americana Neon que adquiriu os direitos da “Titane” para os Estados Unidos. Anteriormente, repetiu o feito com “Parasita”, de Bong Joon-Ho, que posteriormente ainda conquistou o Oscar.
O Grand Prix, considerado o segundo lugar da competição, foi dividido entre o iraniano “Ghahreman”, de Asghar Farhadi, que já venceu duas vezes o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por “A Separação” e “O Apartamento” e o finlandês “Compartment Nº 6” , de Juho Kuosmanen que é uma continuação de um longa de 2016, “O Dia Mais Feliz na Vida, de Olli Mäki”, vencedor da mostra Um Certo Olhar no próprio Festival de Cannes. A melhor performance masculina ficou para Caleb Landry Jones, de “Nitram”, e a feminina para Renate Reinsve, de “Verdens Verste Menneske”.
Já no terceiro lugar, premiados pelo júri, outro empate: “Memoria”, do filipino Apichatpong Weerasethakul (que já venceu a Palma de Ouro com “Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas”, em 2010) e “Ahed’s Knee”, do isralense Nadav Lapid (vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim com “Synonymes” em 2019). O cineasta francês Leos Carax, que abriu o festival com o drama musical “Annette”, ficou com o prêmio de Melhor Direção. O melhor roteiro foi o de “Drive My Car”, feito pelos japoneses Hamaguchi Ryusuke e Takamasa Oe.
Entre os documentários, destaque para “JFK Revisited: Through the Looking Glass” que se aprofundou na investigação do assassinato do ex-presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy. “Em Hollywood, fui rotulado de ‘teórico da conspiração’ que, acredito, é um termo de um documento da CIA, de 1952, uma tentativa de desacreditar as pessoas. Mas o público gostou do filme, que funcionou”, explicou o diretor Oliver Stone ao comparar sua nova obra com a sua antiga produção “JFK: A Pergunta que Não Quer Calar”, lançado há mais de três décadas.
“Titane” no streaming?
Ainda não é possível assistir ao filme vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 2021 em serviços de streaming no Brasil. Porém, o MUBI – plataforma voltada para os amantes de cinema que reúne um catálogo de clássicos, produções independentes e títulos presentes em festivais e premiações – anunciou que “Titane” será exibido em breve na plataforma, assim como o árabe “Lingui: The Sacred Bonds”, “Memoria” e o russo “Razzhimaya Kulaki”, da diretora Kira Kovalenko, premiado na mostra Um Certo Olhar, todos títulos egressos de Cannes e confirmados pelo serviço de streaming, que ainda não divulgou as datas das estreias.
Brasil em Cannes
O Brasil também marcou presença em Cannes. O brasileiro “Medusa”, longa de Anita Rocha da Silveira exibido na Quinzena dos Realizadores, abordou a questão da pressão estética e dos padrões de beleza que recai sobre as mulheres. O elenco traz Mari Oliveira, que ficou conhecida do público em “Malhação”, da Rede Globo, e a também global Bruna Linzmeyer, que desfilaram pelo tapete vermelho do festival e, ao lado do elenco, protestaram contra a situação da Covid-19 no Brasil. Já o curta-metragem “Céu de Agosto”, de Jasmin Tenucci, conta a história de uma enfermeira grávida que atravessa uma crise de ansiedade e se sente atraída pela comunidade da igreja pentecostal. A produção recebeu uma menção especial do júri.
Veja a lista com os premiados nas principais categorias do Festival de Cannes em 2021
Palma de Ouro
Titane – Julia Ducournau
Grande Prêmio
Compartment Nº 6 – Juho Kuosmanen
Ghahreman – Asghar Farhadi
Ator
Caleb Landry Jones – Nitram
Atriz
Renate Reinsve – Verdens Verste Menneske
Prêmio do Júri
Memoria – Apichatpong Weerasethakul (Tailândia)
Ahed’s Knee – Nadav Lapid (Israel)
Diretor
Leos Carax – Annette
Rush Vídeo – Ideias em movimento.