Em 2005 eu decidi que queria fazer filmes. Ainda era bem jovem e fazia graduação em História. Sempre amei cinema e até pensei em fazer o curso na USP, mas minha mãe, sabiamente, me fez um alerta:

– Flávio, se você fizer esse curso, vai terminar trabalhando em comercial de margarina e se eu te conheço, vai perder totalmente o gosto pela coisa.

Ela estava coberta de razão (as mães sempre estão) e eu acredito piamente que esse foi o melhor conselho que já recebi na vida. É algo que representa até hoje a minha visão sobre qualquer coisa que eu faça ou venha a fazer: se virar comercial de margarina, perco totalmente o gosto, a paixão vai embora na hora e eu preciso imediatamente me divorciar da coisa, que vira o popular “embuste”, no linguajar das meninas de 17-18 anos.

Por isso e por diversas outras razões, não carrego qualquer arrependimento em ter me formado em História. O curso me ensinou a ler, pesquisar, desenvolveu minha escrita e sobretudo, meu senso crítico. Fiz a pós-graduação até o doutorado virar comercial de margarina e dei aula em escolas até acontecer a mesma coisa.

Meu sonho sempre foi fazer filmes e chegar aos 40 podendo usar jeans. Consegui, mas não foi e não é fácil, sobretudo porque começar até é tranquilo, mas manter é quase impossível. Digo isso, pois o começo é lúdico, afinal é apenas algo que começa a se concretizar, o prenúncio de uma aventura. A dureza vem no caminhar, na repetição e na consciência de que você precisa melhorar e aprender. É como escalar uma montanha: vem a euforia, a compra de equipamentos, o planejamento com os amigos e tudo parece lindo até você torcer o joelho numa pedra.

Pois bem, voltando a 2005. Eu sou super fã de cineastas norte-americanos que promoveram o gore,o trash e o exploitation e seus derivados nos anos 60/70, como Russ Meyer, John Waters e o Herschell Gordon Lewis e claro, sou fanático por Mystery Science Theater 3000. Se você não os conhece e quer ser um cineasta underground, definitivamente está no caminho errado. São minhas eternas referências, os considero corajosos e verdadeiros cowboys. Hoje é fácil ser cowboy com digital, eles eram com rolo de filme.

Na minha ânsia de moleque em fazer acontecer, decidi escrever alguns e-mails pra esses caras, perguntando o que eu deveria saber, estudar e ir atrás para ser um cineasta e um deles me respondeu, dizendo que se eu quisesse fazer, deveria simplesmente fazer e jamais perder meu sono por uma crítica ruim, afinal, a maioria das pessoas iria me criticar.

Claro, eu fiquei exultante e esse é mais um conselho que guardo até hoje. Assim como o conselho da minha mãe, ele é eterno. Eu tenho pena de pessoas que se abalam com críticas, eu inclusive faço tão pouca conta, que sempre elas aparecem, tiro um print,

envio para os meus amigos e dou risada. Algumas delas, aquelas que tem sentido e são verdadeiras, eu até posto nas minhas redes sociais, afinal, é muito melhor receber uma bela crítica do que um belo silêncio e essa é minha versão de conselho eterno pra vocês. Guardem!

No dia seguinte, comprei minha câmera, que na época nem era das melhores. Era uma Canon HV40, que usava Mini-DV. A maioria dos jovens cineastas já usava digital e eu, como estudante pobre de humanas, que nem cineasta era, já começava atrás. Comprei também um boom de uma marca genérica, que joguei fora uma semana depois (esse produto é horrendo, até os celulares da época captavam áudio melhor) e uns iluminadores de 1000w. Um deles me acompanha até hoje e eu o chamo carinhosamente de Sputnik, pois ele vai até grandes alturas e parece coisa soviética, posto que é rústico e inquebrável.

A partir daí, coloquei na minha cabeça que seria um cineasta, mesmo que pela força do ódio. Eu detesto parecer antes de ser e por tal razão, a compra antecipada me deu uma certa vergonha. Decidi que começaria literalmente pelo começo, fui a biblioteca e peguei uma dezena de livros sobre cinema, de manuais e biografias de diretores famosos.

Na internet, comprei uns livros sobre esses caras que eu amava (e ainda amo) e comecei a assistir a filmografia de todo e qualquer diretor que merecesse meu respeito. Os mais famosos eu já conhecia, afinal, para bem do clichê da história de todo cineasta underground que se preza, trabalhei em vídeo locadora.

Falando nelas, pra minha sorte, em Barão Geraldo existia uma das melhores vídeo locadoras do mundo, chamada “PhD”, apesar do nome com a pedância unicampesca, eles eram de fato doutores em cinema, pois não se preocupavam só em alugar blockbusters e sim em manter uma coleção de respeito. Saudades monstruosas!

Quando me senti menos impostor, comecei a escrever meus primeiros roteiros. Escrevi diversos, terminei todos e joguei a maioria fora. Escrever um roteiro é uma coisa, traze-lo a vida é outra totalmente diferente, conselho esse que diversos cineastas precisam urgentemente seguir, não só os iniciantes. Dar vida a uma história besta é perder o seu tempo e o tempo de todos que trabalham e assistem a “obra” pronta.

Ignorando o alerta de alguns amigos de que deveria começar por um curta, decidi começar por um longa. Óbvio que foi uma decisão de caráter duvidoso, afinal eu tinha zero experiência e começaria por um longa. A história é legal, mas não tenham dúvidas de que o filme é uma tremenda m****, mas eu fiz e fiz praticamente sozinho!

A versão final, terminada muitos anos depois (eu inclusive já tinha vários curtas prontos) tinha 94 minutos, uma centena de erros bobos e outra centena de erros que até hoje eu cometo, mas foi a minha maior faculdade. Não consigo mensurar o tanto de coisas que eu aprendi sobre ser um diretor, sobre fotografia, atuação, edição, relacionamento com pessoas totalmente diferentes de você e sobretudo, sobre mim mesmo.

A partir do meu primeiro filme, que repito, foi uma estrondosa b****, eu percebi que essa escolha de vida jamais passaria perto de ser um comercial de margarina, pois fazer um filme não é uma obrigação e sim a decisão de tentar conquistar o amor da sua vida todos os dias, sabendo que você ainda é muito feio e bobo para conseguir.

Agradeço a mamãe Vera, todos os dias!

 

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