Sigo com os textos sobre produção de curta metragem, abordando uma questão relacionada ao final do processo, que contém uma das perguntas mais recorrentes de quem deseja ter um curta pra chamar de seu: o que faço com esse material?

 

Com toda a sinceridade do mundo, disponibilizar no YouTube, ou similares como o Vimeo, não deve ser uma opção considerada. Pode acontecer de o seu curta explodir em visualização? Pode. Isso vai acontecer? Provavelmente não. O seu material pode, inclusive, ser uma obra prima, imperdível, única, mas o algoritmo de busca desses sistemas não está nem aí pra isso e você vai se frustrar esperando mais que algumas dezenas de visualizações de familiares e amigos que, acredite, não divulgarão seu trabalho, ou o farão apenas para dizer que fizeram. Não espere isso deles e continue sendo feliz em suas relações privadas!

 

Isso não quer dizer que você não deva usar o YouTube. Deve e muito! Você deve usá-lo para divulgar um teaser, um trailer (lembrem, o teaser normalmente é mais curto que o trailer e geralmente oferece apenas um aperitivo imagético do seu trabalho), ou promover seu trabalho com um “Demo Reel” das suas principais imagens. Mas, sobretudo, o YouTube serve para você hospedar seu curta para submete-lo a apreciação de festivais, canais de televisão e distribuidoras. É importante lembrar de não deixá-lo “aberto”, pois festivais preferem materiais inéditos, ainda mais nesses tempos de pandemia em que tudo é online. Alguns raros festivais preferem exclusivamente o sistema do Vimeo e pra isso você terá que rebolar um pouco para não ultrapassar o limite de 500mb por vídeo. Nada que um MP4 de baixa qualidade não resolva. Não se assuste, todos sabem disso e ninguém julgará seu trabalho pela exportação tosca.

 

Passada essa etapa, vem o processo de inscrição em festivais e toda a ansiedade que isso gera. Atualmente, existem centenas deles no Brasil e milhares no mundo e, claro, a sua expectativa pode ir do céu ao inferno em instantes. Para evitar a angústia desnecessária, ofereço cinco dicas simples. O que acaba sendo, na verdade, os cinco mandamentos dos festivais. Vamos a eles:

 

1 – Saiba o nicho que você trabalha. Festivais “gerais” são obviamente mais competitivos. Você concorrerá com uma galera profissional que, mesmo sem ser muito criativa, faz as coisas com muito mais dinheiro que você. Se você puder, prefira festivais que aceitam iniciantes, ou que são dirigidos especialmente a um nicho determinado, como “terror”, “underground”, “meio ambiente”, “lgbt/queer” etc.

 

2 – LEIA A PORCARIA DO REGULAMENTO. Poxa vida, não irrite os organizadores! Veja o limite de minutagem do festival, veja se eles determinaram algum tema. Por exemplo, o festival tem temática LGBT e procura por filmes de até 15 minutos. O seu filme tem 20 e não tem a

temática exigida. Por Deus, por que você vai inscrever? Isso é um legítimo queima filme! Não tenha isso no seu currículo.

 

3 – Sim, os festivais não te perseguem! É realmente essa a verdade, você ter seu filme negado não significa que ele seja uma porcaria, ou que os organizadores não gostam de você. Muitas vezes o seu filme apenas não se encaixa no que eles estão procurando e mesmo assim eles tem profundo respeito por você e pela sua obra!

 

4 – Quanto menos tempo tiver o seu curta, mais chances ele tem de participar de festivais. Veja só, os festivais têm uma janela de tempo, digamos, 4 horas (ou 240 minutos) para exibir curtas. Seu filme tem 24 minutos, ele ocupa 10% do tempo total de janela. Será que você merece 10% do tempo dos outros?

 

5 – Prefira não depender da “galera” da tua cidade. Como dizem, “santo de casa não faz milagre”. Não espere que “a turma da arte” da sua cidade vá te achar um gênio. Eles podem até achar, mas vão te boicotar até o último fio de cabelo, é triste, mas é assim que funciona. Melhor não pagar para ver. O preço pode não ser justo. Para obter o respeito deles (caso isso te importe), rompa a barreira local e tente ser conhecido fora da bolh.

 

Você deve estar pensando: “legal, mas onde consigo saber mais a respeito de festivais?”. É simples, nas redes sociais existem páginas 100% dedicadas ä divulgação de festivais, como a “To Dentro!” , no Facebook e Instagram. Basta uma busca de poucos segundos. Existem também sites, pagos e gratuitos, como Shortfilmdepot, Festhome e Filmfreeway, que permitem a inscrição com “um clique”, desde que, óbvio, você cadastre seu material no site e tenha legendas em outros idiomas. Siga bem os cinco mandamentos, estrangeiros ficam bastante irritados com pessoas que ignoram os regulamentos!

 

Seguimos. Teu filme circulou por vários festivais e ganhou alguns prêmios, você tem orgulho dele e está muito feliz. Considere licencia-lo, ou seja, ceder seu material para algum canal de TV ou Streaming. Não é difícil e hoje temos uma imensa profusão de canais que provavelmente aceitarão seu filme após o preenchimento de uma burocracia básica, por isso seja organizado, tenha as autorizações de imagem e trilha em mãos, isso é muito importante, e registre seu filme como “obra brasileira” na ANCINE, o famoso CPB (Certificado de Produto Brasileiro).

Você pode tentar os canais mais famosinhos, como o Canal Brasil ou Canal Curta, mas infelizmente eles reservam suas programações para alguns poucos iluminados, iniciados e consagrados. Outros canais podem te aceitar, mas realmente não espere ganhar muito ou qualquer dinheiro cedendo seu curta. A democratização é boa, mas tem seus poréns e esse é um deles. Existe muita oferta e pouca demanda. Mesmo assim, isso fará um bem danado ao seu ego e divulgará seu trabalho. O que mais podemos desejar da vida de cineastas independentes? Mas não desista nunca do seu filme. E faça todos os “mandamentos”.

Rush Video – Ideias em Movimento