Você é um artista independente? Trabalha com poesia, contos, artes visuais, música, fotografia, teatro ou cinema? Então é bom você segurar bem o celular, ou se controlar bastante na frente da sua tela, pois tenho um assunto meio desagradável para tratar contigo e certamente você, de imediato, não receberá muito bem o que vem a seguir.
Tudo bem, eu também não recebi quando descobri o que eu vou te contar agora, mas com o tempo você vai usar isso para fazer as pazes com os outros e sobretudo, com você mesmo. Talvez, se for bem esperto, usará inclusive a seu favor. Pessoas inteligentes usam as bombas para se aprimorar, para melhorar sua relação com o mundo exterior e interior.
Ok, sem mais delongas, você está preparado? Então lá vai: o seu trabalho é considerado desinteressante pela maioria das pessoas que te conhece, incluindo a sua família, seus melhores amigos e a maioria dos teus seguidores, aqueles mesmos que dão coraçãozinho nas suas publicações.
Antes que seu mundo desabe, saiba, o seu trabalho não é ruim e muitas vezes as pessoas apenas tem que fingir que é. Tudo bem, pode ser que seja mesmo e aí, paciência, tente se aprimorar e sobretudo, tenha senso crítico e especialmente, autocrítica, mas não é isso que acontece com a maioria dos artistas, em especial aqueles que passaram anos executando e se aprimorando.
No entanto, a verdade permanece: as pessoas que te conhecem raramente consideram seu trabalho digno de perder mais que alguns minutos. É um fato consumado e quase inevitável. Mas, mais consumado que isso, é o fato de que você não vai mudar a ideia deles reclamando, esbravejando ou dando indireta em rede social, isso inclusive vai irrita-los e afasta-los ainda mais.
Se acalme e continue lendo. Existem algumas razões pra isso e elas dizem muito mais sobre o seu “primeiro” público do que sobre o seu talento ou a qualidade das suas obras. Leia e pondere sobre elas.
Em primeiro lugar: a maioria das pessoas confunde talento com fama e você infelizmente não é famoso. Existem muitos famosos que tem muito talento, mas existem diversos que o são por razões inteiramente outras que o talento. Eu não vou citar nomes e nem preciso fazer isso para que você entenda, afinal, aposto que você gosta de muita porcaria e sabe disso. Não é verdade mesmo que o único critério para a fama seja a qualidade da obra.
Hoje, o coletivo dos famosos é composto por pessoas que caem na graça de algum produtor poderosão, daqueles que sabem com dez anos de antecedência qual será a próxima moda, ou por figuras que atendam a alguma demanda político-ideológica e são alçadas ao estrelato pela mídia curadora. Acredite, o sangue da imprensa ainda tem muito poder.
A partir daí, acontece que famosos dão assunto entre as pessoas e mais do que isso, gostar deles e assumir publicamente, faz com que elas sejam bem aceitas dentro da bolha. É o tal comportamento de boiada. Como a maioria dos seres humanos está na terra apenas em busca da aprovação dos outros – simbolizada pelo maldito “like” – eles provavelmente têm pouco interesse em compartilhar seu trabalho e, portanto, em conhece-lo, ir aos seus eventos ou comprar suas obras.
Saiba, isso pode valer inclusive pra sua irmã, seu irmão, sua melhor amiga, namorado e até seu cônjuge. Eles provavelmente fazem todas essas coisas virtuais, vão aos eventos, mas fazem apenas para te ver feliz e saltitante. Não é, obviamente, a razão que você esperava. Quanto mais distante o grau de parentesco, isso tende a piorar e ser ignorado é a grande tendência para quem não é famoso.
Em segundo lugar (e essa é uma tremenda porrada), você provavelmente tem, na sua bolha, muitos amigos artistas. Desencane deles, simples assim. Esse é um público que realmente deseja apenas que você se exploda, especialmente se ele for da sua região ou, ainda pior, do mesmo ramo artístico. Eu sei que isso não deveria fazer sentido, mas faz, infelizmente. Esta é uma característica vital do artista brasileiro (eu sei que não é exclusivamente, mas sei que aqui ela é intensa), que ACREDITA VISCERALMENTE que o seu sucesso depende absolutamente do insucesso do outro, no caso, o coleguinha mais próximo.
É uma mistura bombástica de ideologia furreca, má formação política, moral religiosa porcamente interpretada e ignorância econômica. Ou seja, a fama é um jogo de soma zero, alguns tem que falhar necessariamente para que poucos possam prosperar.
A terceira e última razão é quase impossível de ser contornada, pois é um verdadeiro ciclo vicioso. Você, como artista independente, é forçado a fazer autopropaganda nas suas redes e as pessoas simplesmente não levam isso a sério. Na verdade, elas acham chato, assim como você certamente acha chato (mesmo secretamente), as postagens dos seus colegas artistas. Levando o item 1 e 2 em consideração, fica claro que ninguém quer interagir com você, afinal, não veem relevância ou simplesmente não querem te dar palanque.
No entanto, sem a autopropaganda, você não é nada e certamente ninguém vai te notar sem ela, não é verdade?
É e não é.
Fato, você tem que admirar seu trabalho e tem que falar sobre ele, mas não exagere na autocongratulação, deixe que outros façam isso. Você só se torna um artista quando os outros te reconhecem como tal. Mas de novo, claro, fale sobre seu trabalho, sem, no entanto, esperar muita coisa em troca. Sobretudo, não meça seu desempenho por likes, ou pela quantidade de amigos que gastam dinheiro com a sua obra. E mais sobretudo ainda, não force as pessoas a fazerem isso com ameaças e indiretas e não use isso para avaliar o quanto elas gostam de você.
Existe uma regra de ouro que ouvi de um sábio. Não lembro quem foi, mas os sábios são assim, anônimos por excelência. De outra forma se tornam coaches ou gurus de autoajuda e portanto, chatos e desinteressantes. A regra é simples e direta, afaste seu trabalho dos três Fs: “family, friends and fucker”, ou seja, família, amigos e aqueles doidos que só querem te ver gloriosamente pelas costas.
Tente fazer com que seu trabalho saia do seu círculo mais próximo e fundamentalmente da sua bolha de internet. Faça ele circular em fóruns, festivais e mostras, envie para estranhos distantes sem medo de críticas negativas e sobretudo, saiba diferencia-las das críticas maldosas. Essas você joga fora sem medo. Quanto mais distante de casa o seu trabalho for, mais positivas e entusiasmadas as respostas se tornam.
Entenda também que seu trabalho tem um nicho, ele provavelmente será melhor apreciado por algum grupo que exclui 90% ou mais da população terrena pelo simples fato de
não ser “padrão”, ou pasteurizado. Isso não é ruim, 1% do planeta já é gente pra caramba e mesmo que isso não te deixe milionário ou mega famoso, certamente te deixará orgulhoso e satisfeito.
Agora, se o seu trabalho é padrão, você provavelmente está apenas repetindo o que pessoas muito mais conhecidas já fazem diariamente, com muito mais recursos e apoio e nesse caso, ele deve mesmo ser inferior (se não em qualidade, certamente em apresentação e divulgação) e você terá ainda mais obstáculos a vencer. Não é impossível, mas definitivamente demandará um enorme diferencial e muita sorte.
Por fim, tenha força. Não pare ao primeiro desestímulo, não se afogue em autocomiseração e não meça seu desempenho por likes. Ocupe seu lugar no mundo com clareza e sobretudo, seja honesto consigo mesmo. Produza sem parar e saiba que as vezes, é melhor não mostrar tudo o que você faz e outras vezes, é melhor mostrar, ouvir as respostas e esconder. Não insista em erros, não tente forçar aos outros algo que você já percebeu que não foi bem recebido e sobretudo, não encare esse texto como uma “muleta” para o seu insucesso, afinal, o primeiro responsável pelo seu desempenho é você mesmo.
Rush Video – Ideias em Movimento.