Muita gente recorre ao Torrent para assistir um filminho que acabou de estrear no cinema ou para maratonar aquele seriado que todo mundo está comentando, mas que só está disponível numa plataforma de streaming restrita a assinantes. O processo é simples, basta instalar um software que pode ser baixado gratuitamente na internet, localizar os links, também oferecidos gratuitamente na rede e pronto. Porém, embora aparentemente inofensivo, o processo descrito acima pode render muita dor de cabeça. Foi o que aconteceu com alguns brasileiros que, no mês de outubro, foram surpreendidos em casa com uma notificação extrajudicial cobrando 3 mil reais pelo download de filmes por meio de serviços de compartilhamento de dados P2P. Os avisos, que foram encaminhados pelos detentores dos direitos autorais de filmes como Invasão ao Serviço Secreto, Hellboy e Rambo: Até o Fim, mencionavam downloads ocorridos há quase doze meses, os quais a maioria dos usuários sequer se lembrava mais e solicitavam o ressarcimento pelos prejuízos causados, sob o risco de abertura de um processo judicial contra os notificados.
A conduta que causou espanto aos usuários brasileiros, é comum na Europa. Países como a Alemanha, onde existem leis federais que proíbem o download e compartilhamento ilegal de conteúdos protegidos por direitos autorais, as multas, que são encaminhadas via correio, podem chegar a 800 euros, cerca de 5 mil reais. No Brasil, o Código Penal (DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940) estipula penas de três meses a um ano de prisão para quem violar os direitos de autor, entretanto, cita especificamente os casos em que as cópias são feitas com intuito de lucro; situações envolvendo o uso pessoal ficam em uma área cinzenta.
No caso dos brasileiros, o que causou surpresa foi que os responsáveis pela notificação, representados por escritórios de advocacia nacionais, para poderem chegar aos usuários tiveram acesso a dados pessoais, como nome completo e endereço do responsável pelo plano de internet, além de data, hora e endereço do IP no qual o download teria sido identificado. Isso só foi possível porque os advogados solicitaram a quebra do sigilo dos usuários sob suspeita, atuando em nome de uma empresa britânica chamada Copyright Management Services que, por sua vez, estaria representando a produtora americana Millenium Media, real detentora dos direitos autorais dos três filmes por meio das subsidiárias Fallen Productions, HB Productions e Rambo V Productions, respectivamente. A mesma empresa inglesa também presta serviços para outros estúdios, rastreando o compartilhamento de versões irregulares de títulos como Clube de Compras Dallas, Colossal, Invasão de Privacidade e Dupla Explosiva, entre outros.
A solicitação de quebra de sigilo de dados foi feita em março deste ano e gerou parecer favorável do Tribunal de Justiça de São Paulo, emitido em maio, que dava a provedora de serviços de Internet, 48 horas para entregar as informações. Se a empresa se negasse a cumprir a determinação, estaria sujeita a multas de R$ 10 mil por dia. O caso continuou tramitando até que, em setembro, a operadora finalmente anexou ao processo duas planilhas que continham os dados solicitados.
Na petição que motivou o parecer do TJ, os advogados mencionaram uma tecnologia chamada Guardaley, uma espécie de guardiã de direitos autorais, informando automaticamente à detentora dos copyrights sobre a disponibilização irregular de conteúdos protegidos. Contudo, o texto explica que, apenas com as informações obtidas pelo sistema, não era possível chegar aos responsáveis, daí o pedido à operadora para produção antecipada de provas. O documento menciona um total de 53,6 mil uploads e
compartilhamentos dos três filmes, registrados entre 2019 e o início de 2020. Em anexo, é apresentada uma lista de IPs dos responsáveis pelo download dos filmes.
Caráter Educativo
De acordo com os advogados brasileiros envolvidos no caso, existe o cuidado de que todo o processo seja feito de forma transparente, desde a captura dos dados até a composição da listagem e o posterior envio das correspondências de cobrança. O objetivo, segundo eles, além de tentar recuperar parte da receita perdida com o download ilegal dos filmes, é educativo, uma forma de disseminação de informações sobre copyright por parte da indústria audiovisual, já que parece haver por parte da população um desconhecimento sobre as regras de proteção dos direitos autorais, ver matérias sobre o assunto aqui em nosso site.
Já os usuários notificados, questionam a violação de seus dados pessoais e alegam que, ao contrário do que preconiza a lei sobre a violação dos direitos autorais, não houve lucro com os downloads e ainda ressaltam que suas informações foram disponibilizadas em planilhas simples, desprovidas de qualquer cuidado que evitasse um possível vazamento dos seus dados, lembrando que os documentos continham nomes completos, endereços e CPFs, além das datas, horários, nomes de arquivo e softwares utilizados para o download dos filmes citados. Vale lembrar aqui que a Lei 12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet, garante o sigilo das comunicações e dados dos usuários da rede no Brasil, a não ser em caso de solicitações judiciais, como a feita pelo TJSP.
Avaliação e resposta
De acordo com o Partido Pirata do Brasil, uma organização não governamental existente em vários países, inclusive no Brasil – que atua pela defesa do acesso à informação, do compartilhamento do conhecimento, da transparência na gestão pública e da privacidade – direitos fundamentais que são ameaçados constantemente pelos governos e corporações para controlar e monitorar os cidadãos -esta pode ser considerada como uma ação de copyright trolls. O termo, já conhecido em outros países e que começa agora a ser ouvido por aqui se refere ao uso de notificações judiciais, ameaças de processo e outras atitudes consideradas agressivas para obter lucro a partir de questões relacionadas à proteção dos direitos autorais. A ONG, inclusive, está trabalhando no caso das notificações, esclarecendo dúvidas, fornecendo informações e acalmando os acusados com a recomendação de que não cedam as pressões e não realizem os pagamentos. A entidade diz ainda desconhecer casos em que a notificação extrajudicial tenha resultado na abertura de processos contra os usuários de Torrent que, aliás, não é um software ilegal.
De qualquer forma, a situação gera aborrecimentos aos envolvidos e especialistas recomendam que antes de qualquer coisa, os usuários notificados devem procurar um advogado de sua confiança, que estará apto a aconselhar sobre a melhor estratégia a ser adotada, lembrando que uma resposta inadequada ou a desconsideração da citação extrajudicial pode, sim, acabar resultando em ações judiciais e ainda mais dor-de-cabeça e prejuízos financeiros.
O que é Torrent?
Para quem não sabe o Torrent é um software que funciona criando uma rede entre os seus usuários, chamada P2P, com o intuito de distribuir arquivos entre eles. Funciona assim: normalmente um computador ou servidor fica responsável por armazenar e distribuir os dados em uma rede, enquanto os usuários, ou clientes, os acessam para utilizar as informações que procuram. No modelo P2P (de peer-to-peer, ou ponto-a-ponto), utilizado pelo Torrent, todos os usuários são também servidores. Cada um deles detêm os dados dos arquivos compartilhados e, ao mesmo tempo, estão baixando e mantendo os arquivos disponíveis para outros acessos na rede. Para usar o Torrent, é necessário um software BitTorrent instalado no computador, celular Android ou navegador; além de um arquivo .torrent, que contenha os dados do conteúdo que o usuário deseja baixar ou ainda um link Magnet, uma sequência alfanumérica que também permite o acesso aos dados desejados.
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