Um seriado sul-coreano tem sido tema frequente nas mais diversas rodas de conversa e também tem despertado preocupação entre pais e educadores devido às cenas de violência exacerbada, a ponto de algumas escolas emitirem comunicados pedindo a atenção dos responsáveis. “Round 6”, que está disponível na Netflix desde 17 de setembro, se tornou, em questão de dias, um fenômeno mundial. Essa febre impressionante alcançou também as redes sociais, como Instagram, TikTok e Facebook – onde internautas discutem tanto enredo envolvente quanto outras polêmicas, como as acusações de plágio direcionadas ao diretor. Ted Sarandos, CEO da Netflix, afirmou que “Round 6” é a série de maior sucesso da gigante do streaming, ultrapassando “Bridgerton”, baseada na série best seller de Julia Quinn e produzida por Shonda Rhimes, criadora de “Greys Anatomy”, que atingiu 82 milhões de acessos em apenas 28 dias. Apesar dos números oficiais ainda não terem sido revelados, é sabido que pouco depois de sua estreia, “Round 6” já liderava o top 10 da plataforma em diversos países, incluindo Brasil e Estados Unidos. Por lá, um fator que deve ter impulsionado o êxito da produção é o fato de ter sido lançada em versão dublada em inglês. Via de regra, os americanos estão menos acostumados a ver filmes e séries legendados – diferente do Brasil, onde grande parte do conteúdo consumido é de língua estrangeira, principalmente inglês. De acordo com a Bloomberg, a expectativa é que a produção, que custou U$ 21,6 milhões, fature algo em torno de U$ 900 milhões — o equivalente a quase R$ 5 bilhões — em valor de impacto para a Netflix. Ainda segundo a agência de notícias focada no mercado financeiro, a empresa usa o número de espectadores para determinar o valor dos programas. De acordo com esta métrica, é preciso destacar que cerca de 132 milhões de pessoas viram ao menos os dois primeiros minutos do seriado. Destes, 89% seguiram até ao menos o minuto 75 – mais de um episódio, portanto – e 66%, aproximadamente 87 milhões de pessoas, foram até o fim, tudo isso dentro do primeiro mês de exibição.

Mas comparando os dois maiores blockbuters da plataforma fica claro que a fórmula do sucesso tem lá seus mistérios. Enquanto “Bridgerton” aposta num enredo absolutamente “água com açúcar”, sobretudo se comparado ao seu rival de audiência, ao recriar a vida de famílias da realeza e da alta sociedade na Inglaterra no início dos anos 1800, acompanhando os desencontros amorosos de suas herdeiras, em cenários para lá de glamourosos; “Round 6”, também chamada de Squid Game (Jogo da Lula) em alguns países, mostra um grupo de pessoas, cheias de dívidas e sem perspectivas de melhora em suas vidas financeiras, que recebem a proposta de participar de um jogo que oferecerá ao ganhador uma grande soma em dinheiro. Mesmo sem muitas informações e de olho no prêmio, eles aceitam o desafio. Mas a competição guarda um detalhe singular e desconhecido dos competidores: a morte daqueles que não ultrapassam os obstáculos propostos.

Na qualidade de produtora de conteúdo audiovisual, há 25 anos no mercado, a Rush Vídeo, instalada em Campinas, interior de São Paulo, tem acompanhando de perto todo o burburinho em torno desse mais novo fenômeno.

Preocupação

As cenas de violência explícita, tortura psicológica, suicídio, tráfico de órgãos, sexo, com uma profusão de palavras de baixo calão, motivou algumas escolas a emitirem comunicados, alertando os responsáveis sobre o teor da série, que tem classificação de 16 anos, sugerindo, inclusive, o uso da ferramenta de restrição etária, a fim de evitar que crianças menores acessem o conteúdo. Educadores acreditam que o interesse da garotada mais jovem esteja amparado no fato de que o enredo se apropria de brincadeiras infantis como ‘Batatinha frita 1,2,3’, ‘Cabo de guerra’ e ‘Bolas de gude’, entre outras, que fazem parte do universo infanto-juvenil há gerações, para desenvolver os desafios mortais propostos aos participantes. O criador da série, Hwang Dong-hyuk, explicou em entrevista à revista Variety que optou por jogos simples e de fácil compreensão para que o espectador não precisasse se esforçar para entender as regras dos jogos, podendo se concentrar na complexidade dos personagens. “Em histórias como essa, vemos os jogos primeiro. Geralmente, um gênio apareceria para resolver os jogos complexos, mas decidimos usar as brincadeiras mais simples de todas. Não é sobre o herói vencer o jogo, mas sim a história de perdedores (…) que podem ir até o fim com a dedicação e o sacrifício de muitas outras pessoas”, explicou.

Mas os efeitos colaterais desta opção artística não demoraram a aparecer. Aqui no Brasil, já há relatos de professores que presenciaram crianças brincando de jogos propostos pela série e depois fazendo gestos como se estivessem matando uns aos outros, numa clara alusão à trama. Na França, um grupo de 5 crianças foi levado a um hospital após serem esmagados por alunos mais velhos que tentavam reproduzir um dos jogos exibidos na série. O colégio George-Sand, local em que o episódio ocorreu, confirmou ter iniciado três processos de expulsão contra os alunos que desencadearam a simulação. Em entrevista ao jornal O Globo, a presidente da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro, Katia Telles Nogueira, explicou que o conteúdo da série pode causar danos psicológicos aos pequenos e que a situação muda com os adolescentes. Para esse público, segundo ela, não deve haver uma proibição, mas é indicado que os pais assistam junto, instigando conversas críticas sobre os temas abordados no enredo.

Toque de Midas

“Round 6”, que faz uma clara crítica ao capitalismo, não é o primeiro êxito de Hwang Dong-hyuk. O cineasta, que faz questão de ter as questões sociais como temática central de sua obra, também trabalhou no musical de comédia “Miss Granny” (2014), que foi adaptado para outros sete países. Além desses sucessos, ele assina filmes como “My Father” (2007), onde mostra a relação entre um jovem soldado e seu pai biológico, um assassino que está no corredor da morte e “Silenced” (2011), longa inspirado na história real de alunos que sofriam abuso sexual em uma escola para pessoas com deficiência auditiva.

Dong-hyuk tem enfrentado acusações de plágio por “Round 6”, sob o argumento de que a série, que conta com nove episódios, possui semelhanças demais com o filme japonês “As The Gods Will”, de 2014, que mostra alunos do ensino médio numa competição mortal. Em sua defesa, o diretor declarou à revista Variety que o seu projeto começou a ser idealizado em 2008, anos

antes da estreia do longa. De acordo com ele, suas referências são os mangás, principalmente “Battle Royale” e “Liar Game”. O primeiro conta a história de alunos do ensino fundamental forçados a lutar até a morte, enquanto o segundo é sobre um jogo em que o melhor mentiroso entre um grupo de pessoas leva um prêmio.

Segunda Temporada

Inicialmente, apesar do todo sucesso e polêmica, ingrediente que também ajuda a turbinar a audiência, Dong-hyuk se mostrava pouco disposto a investir numa segunda temporada, pelo menos a curto prazo. Atualmente, o diretor está envolvido com a produção de um projeto provisoriamente intitulado de “KO Club” (abreviação para Killing Old Men Club), que tem como mote a guerra entre gerações. Entretanto, recentemente foi divulgado que a renovação para segunda temporada já está acertada. Em entrevista ao The Hollywood Reporter, Dong-hyuk revelou possibilidades para a nova trama. “Há outras histórias na série que não foram adicionadas. Por exemplo, a do policial e seu irmão, ‘The Front Man’. Então, se eu acabar criando a 2ª temporada, gostaria de explorar esse enredo. O que está acontecendo entre eles?”. Ele também acrescentou: “E, é claro, eu posso explorar a volta de Gi-hun e como ele fará seu acerto de contas com as pessoas que protegem os jogos”, ressaltando que há muitas alternativas para a produção de novos episódios. Ele ainda reconheceu que o final da primeira temporada teve pontos soltos e acredita que seria interessante poder concluir a história do personagem Gin-hun. Aos fãs, só resta aguardar.

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