O Estranho Mundo de Jack é uma animação criada em 1993 por Tim Burton e dirigido por Henry Selick que traz como pilar uma estética burtoniana presente na personalidade dos seus personagens, em suas motivações e questionamentos angustiantes. A construção da narrativa é atrelada às culturas pagãs e suas ressignificações imagéticas perante às datas de Halloween e Natal.
O ESTRANHO MUNDO DE JACK: UMA ANÁLISE AUDIOVISUAL ACERCA DA RECUPERAÇÃO DE CULTURAS PAGÃS
A história, em jeito de fábula, começa na cidade de Halloween, um mundo repleto de criaturas fantásticas que vivem durante todo o ano com o objetivo de preparar a noite de Halloween. Em um ano, após a festa do Halloween, o rei da cidade, Jack Esqueleto, fica cansado da rotina anual. Ao descobrir por acaso a cidade do Natal, tem uma ideia: tomar o lugar do Papai Noel e organizar um Natal inesquecível. Contudo, apesar da sua boa vontade, Jack não consegue captar inteiramente o espírito natalino e os seus preparativos tomam um tom macabro. Sally, uma boneca de trapos fascinada por Jack, prevê um terrível destino como consequência da extravagância do seu amigo. E, neste seguimento, as crianças de todo o mundo acabam tristes e desiludidas com o novo Papai Noel.
JACK ESQUELETO
O título Rei da Abóbora foi dado à ele depois de sua morte, já que ele é considerado o mais assustador dos espíritos que assombram as noites de Halloween.
De acordo com a lenda irlandesa, Jack se deleitava em alguns vícios – principalmente o álcool. Sua lenda toma forma quando o Diabo vai buscar Jack em sua morte. Como seu último pedido, ele suplicou seu último copo de bebida. O Diabo, que de acordo com a mitologia daquela região, concede sempre uma última refeição ou a última bebida à alma, permitiu. Jack diz que está sem dinheiro, e faz um pedido inusitado: que o Diabo se transforme em uma moeda. O Diabo concordou, então Jack o colocou em seu bolso junto com uma cruz. O Diabo se desesperou e ficou aprisionado em forma de moeda, e Jack, malandro como sempre, propôs o acordo que ele liberaria o Diabo desde que pudesse viver um ano a mais. Sem opção, o Diabo concordou. Na noite de 31 de outubro o Diabo apareceu novamente para finalizar o trato. O Jack mais uma vez fez seu pedido: comer uma maçã antes de morrer. Prontamente o Diabo escala uma árvore para apanhar a fruta, só que antes que ele mesmo perceba, Jack com um canivete desenhou o sinal da cruz no tronco da árvore, resultando no Diabo encurralado mais uma vez. Desta vez, ele pediu mais dez anos de vida. Quando Jack finalmente morre, não é aceito no céu por sua vida boêmia e igualmente não é aceito no inferno perante a humilhação do Diabo. Desta forma, Jack é amaldiçoado a passar sua existência vagando pela Terra. Depois de ser condenado, Jack fez uso de uma cabeça de nabo colocando uma vela dentro dela para funcionar como uma espécie de lanterna para iluminar o seu caminho.
Tornou-se comum na Irlanda e no resto da Europa que no meio de outubro houvesse a confecção de lanternas em cabeças de nabo com referências à cabeças humanas – uma ideia de que as lanternas pudessem afastar os maus espíritos assim como o Jack da Lanterna os afastaria.
O HALLOWEEN
A cultura do Halloween nasce de uma celebração do antigo povo Celta que se chamava Samhain – que significa fim do verão. Esta festividade durava três dias e ia até o dia 31 de outubro, quando as comunidades da região da Irlanda e da Escócia celebravam o final das suas colheitas e se preparavam para o inverno rigoroso que viria no fim do ano. Acreditava-se que nesta época de transição do ano, o véu entre o mundo dos vivos e dos mortos tornava-se mais fino, facilitando a passagem de espíritos. Por isso, para proteção contra entidades malignas desta época, as pessoas usavam decorações, amuletos e fantasias de caráter monstruoso para assustar e afastar estes espíritos. Em algumas comunidades, como havia fartura nas colheitas, era comum que a população deixasse refeições e oferendas para que eles mantivessem as famílias em paz.
Desta forma, é evidente que o Halloween sempre foi sobre fortalecimento contra o mal, tanto no sentido de se fortalecer com alimentos advindos das colheitas, quanto no sentido de fortalecimento contra espíritos mal intencionados e a abóbora com luz dentro tornou-se um símbolo importante do Halloween.
O NATALINO
Notamos na narrativa fílmica que Jack conhece o Natal e logo é fascinado por ele de antemão. Isto pode ser explicado porque a festividade do Natal tem uma conexão direta com a festividade do Halloween. Assim como o Halloween, o Natal – Yule – também tem origem de povos pagãos de diversas regiões, principalmente da Europa. A ceia, os presentes, a árvore decorada: nada disto advém do cristianismo. Tudo é importado de culturas mais antigas que o nascimento de Jesus Cristo. A igreja cristã usufruiu de vários elementos de costumes pagãos e ressignificou a data 25 de dezembro como aproveitamento de celebrações já concebidas há séculos. Esta data fora escolhida pelo cristianismo uma vez que diversos povos já haviam estabelecido para cultuar Mitra – o Deus persa da luz – celebrando o solstício de inverno.
O solstício de inverno no hemisfério norte é a noite mais longa do ano, considerado “uma vitória do sol contra a escuridão”, assim, as semanas finais de dezembro eram vistas como semanas de nascimento – principalmente depois dos povos terem enfrentado um período longo de inverno rigoroso.
COMO SE RELACIONAM
Entendemos que a história de Tim Burton é extremamente sentimental e simbólica porque o personagem passa por uma crise existencial que faz todo sentido com a mitologia dessas celebrações. Jack se cansa de causar sustos no Halloween porque só conhece esta parte deste ciclo. Ele nunca conheceu o momento em que os humanos saem desta escuridão e vivem os tempos de luz.
O filme gira em torno de propósito. Cada um tem a sua importância e finalidade – não importa o quão seja diferente – e o Halloween tem o seu propósito assim como o Natal também tem o seu. Depois de entender que o filme se trata de que o Halloween serve para os humanos sejam capazes de enfrentar tempos difíceis, fica bem mais nítido decifrar que Jack não precisava mudar quem ele era para aceitar a si mesmo, bastava estar ciente de que ele como Rei da Abóbora tinha muita importância para toda a humanidade.
Rush Video – Ideias em movimento.