Como uma produtora de conteúdo audiovisual, a Rush Video, de Campinas, interior de São Paulo, há mais de trinta anos neste mercado, está sempre antenada com os principais lançamentos, nas mais diferentes plataformas. E foi com este olhar atento que selecionamos o documentário “O Dilema das Redes”, lançamento recente da Netflix como tema deste artigo. O nosso propósito aqui não é nos ater aos seus méritos técnicos. Neste aspecto, aliás, vale dizer que a produção é recheada de clichês, atuações que deixam a desejar e a ideia de representar o tão comentado algoritmo como três homens malvados que comandam os pensamentos do personagem central, numa espécie de “Divertidamente”, o desenho animado da Pixar, ao avesso, por vezes soa infantil demais. A proposta deste artigo é discutir o seu tema central: o quanto somos influenciados e manipulados pelo conteúdo apresentado nas redes.

 

O enredo

A história foca o cotidiano de uma típica família americana que se vê mergulhada em discussões e problemas decorrentes do uso exagerado do celular e das redes sociais. O diálogo foi abolido. Durante o jantar, cada um devora a sua refeição absorto por seu dispositivo. A mãe, tenta em vão, controlar o tempo de uso do aparelho, mas ela própria não consegue servir de exemplo. O pai, segue indiferente, enquanto a irmã mais velha, tenta trazer todos a razão e acaba rechaçada pelos irmãos. Na dinâmica familiar, os filhos mais parecem zumbis e sem o celular em mãos não sabem o que fazer. Assim, o filho acaba absorvido por vídeos do YouTube que o empurram cada vez mais na direção de um movimento político duvidoso chamado “Radicais de Centro”. A filha mais jovem chora em frente ao espelho depois de receber um comentário negativo sobre sua aparência após postar uma selfie repleta de filtros. Paralelo ao desenvolvimento do drama familiar, são apresentados depoimentos de diversos especialistas do Vale do Silício, que largaram seus empregos em redes sociais e aplicativos como Facebook, Instagram, Twitter, Pinterest, Google e Gmail ao despertarem para dilemas éticos decorrentes de seus trabalhos. O principal deles é Tristan Harris, ex-funcionário do Google, presidente e cofundador do Center for Humane Technology.

 

Como escapar das armadilhas das Rede Sociais?

Um dos méritos de O Dilema das redes, no entanto, é o incômodo ao nos deparamos com evidências inequívocas de que as questões retratadas são apenas a ponta de um iceberg, cujo tamanho e profundidade não somos capazes de mensurar. O entretenimento inofensivo, as benesses, podem ser facilmente eclipsados pela desinformação, discurso de ódio, polarização política, teorias da conspiração. Problemas reais e que se intensificam com a ajuda dos algoritmos. Mas como escapar das armadilhas? Segundo os depoimentos retratados a solução é tão simplista quanto pouco factível para a grande maioria das pessoas: deletar todas as redes sociais.  Aqui os puristas dirão que antes da internet vivíamos muito bem sem suas funcionalidades e aplicativos. Mas é preciso lembrar que o mundo mudou e não faz nenhum sentido o retrocesso.

“As redes sociais e seus algoritmos de recomendação não estão isentas da responsabilidade por alguns dos ambientes mais ácidos que há na internet. Mas não podem ser confundidas com a REDE e, em parte, é o que o filme faz; de certa forma desinformando e, aí, sofrendo do mesmo problema das redes.”, alerta o cientista e professor Silvio Meira, em  um texto publicado em seu blog. Além disso, diz Meira: “É bom levar em conta que o problema das redes sociais não cabe num filme, e que propaganda, bullying e desinformação são problemas bem mais complicados do que  o filme mostra”.

Casey Newton, jornalista americano, especializado em temas ligados a tecnologia e autor de uma coluna que trata da interseção entre redes sociais e democracia, chegou a declarar que “estava chocado a respeito de quão convincente tantas pessoas acham a ideia de que as redes sociais são praticamente as únicas responsáveis por todos os problemas da sociedade”. Isso, porém, alerta o jornalista, não quer dizer que as redes sociais devam ser inocentadas, mas para ele é importante não fazer o problema “parecer tão complicado que as pessoas simplesmente desistam de tentar resolvê-lo”, afirmou.

Refletir é preciso

O  site The Verge, por sua vez, traz um artigo com Adi Robertson, especialista em políticas tecnológicas, biohacking, história da tecnologia e realidade virtual e aumentada, onde ela lembra que o comportamento do filho adolescente que se desinteressa das interações “reais” já foi em décadas passadas associado à televisão ou mesmo ao rock. De acordo com Robertson, os entrevistados são produtos da mesma cultura do Vale do Silício que estão criticando e todos estão vendendo a versão do mesmo mito: “o de que alguns engenheiros onipotentes estão causando o apocalipse ao construir uma máquina perfeita de controle mental”.

Mas exageros à parte e desconsiderando o tratamento de questões complexas de forma rasa e simplista o filme faz um alerta importante ao nos lembrar que, no universo virtual e principalmente nas Redes Sociais, nem tudo é o que parece. Todos nós temos problemas, dias ruins, ângulos desfavoráveis. Por isso, é preciso desconfiar sempre, questionar, buscar várias fontes e, principalmente, não se deixar seduzir facilmente.  “A maioria das pessoas é muito inocente”, diz antropóloga Letícia Maria Costa da Nóbrega Cesarino. Para ela, ao mostrar que por trás da tela há muito mais do que os espectadores imaginam, o documentário presta um serviço de utilidade pública. Especialista em antropologia digital e autora de uma pesquisa sobre digitalização da política, Letícia, salienta: “muita gente nem sabe, por exemplo, que a busca do Google é personalizada: os resultados que aparecem para mim ao fazer determinada busca são diferentes dos que vão aparecer para você ao fazer a mesma busca”.

Por isso, a criação da consciência induzida pelo filme é tão fundamental. É certo que existe uma necessidade de manter o usuário na rede pelo maior tempo possível. Quanto mais navegamos, mais somos bombardeados de propagandas, exibidas de acordo com as preferências detectadas pelos rastros digitais deixados por nossos cliques e interações, numa corrente continua e incessante de informações que vão aperfeiçoar cada vez mais esta “persona” e assim nos oferecer um conteúdo cada vez mais personalizado, totalmente ao nosso gosto, convergente com opiniões e visões que foram expressas através do nosso comportamento digital. Desta forma, a diversidade, o contraditório, apresentam de forma contundente a sua relevância. Quando você navega por mares distantes ao seu, abre espaço para outros pontos de vista, com os quais não precisa, necessariamente, concordar, apenas conhecer e respeitar. Assim vai deixando uma trilha complexa, imprevisível, humana e se tornando consciente das complexidades e da intangibilidade dos padrões das redes no mundo real e, portanto, muito menos vulnerável aos famigerados algoritmos e as influências que os conteúdos podem exercer sobre você, suas opiniões e comportamentos. O dilema, para muitos, é simplesmente abrir espaço para a reflexão.

Rush Video: Ideias em movimento