Game of Thrones é a série do momento. Em menos de 10 anos, criou uma verdadeira idolatria em torno do nome do escritor George R. R. Martin e alçou personagens como a mãe dos dragões Daenerys, a vilã Cersei, o Rei da Noite, o anão Tyrion Lannister, e o espadachim bastardo John Snow em estrelas do universo pop. Semana passada, o episódio The Long Night, que finalmente trouxe o embate entre o Rei da Noite com os personagens mais adorados no castelo de Winterfell, conquistou a maior audiência da história da TV paga, mas igualmente criou polêmica entre os fãs.
Muita gente esperava um confronto grandioso como A Batalha dos Bastardos, episódio favorito de nove entre 10 amantes da série, mas o diretor Miguel Sapochnik optou por uma outra linha, imergiu os telespectadores numa noite aflitiva e escura, e o que se criou foi uma certa frustração nas expectativas. Hordas de fãs reclamaram, alegando que o episódio foi extremamente escuro, confuso, seguidos de comentários mal fundamentados de “especialistas” sugerindo que Sapochnik esqueceu de contratar um diretor de fotografia para cuidar das nuances de luz.
O comentário mais grotesco veio de um “entendido” de cinema afirmando que os produtores deram uma bobeada e rodaram o episódio inteirinho sem buscar uma relação de contraste e puxando pro preto fosco.
Um profissional sério do ramo sabe que esse tipo de equívoco só acontece com amadores, algo que Sapochnik está longe de ser. Basta ver não apenas A Batalha dos Bastardos, mas também o eletrizante episódio Hardhome, em que os Selvagens enfrentam os White Walkers pela primeira vez numa aldeia na praia. Os dois episódios são assinados pelo cineasta. O que é interessante observar, em A Batalha dos bastardos, Hardhome e The Long Night, é a versatilidade do cineasta para rodar cada um destes entrechos com uma estética completamente diferente.
Para The Long Night, Sapochnik explicou em entrevista que ele queria que as sombras fossem impregnando, sufocando a luz a tal ponto, que os heróis ficassem cada vez mais acuados. Do ponto de vista técnico seria um desacerto rodar o filme com falta de luz. Qualquer realizador sabe que numa filmagem o ambiente tem que ser bem exposto, é na edição que você determina as nuances de luz e cor, e, no caso de um filme como Game of Thrones sutilezas como a profundidade de campo precisam ser bem dimensionadas, porque há muitas camadas de efeitos digitais rolando nas cenas. Portanto, se a equipe tivesse filmado no breu, seria impossível criar referências para inserir dragões, gigantes e uma horda de mortos vivos que se movimenta como se fosse ondas batendo nas muralhas de Winterfell.
As ferramentas técnicas usadas para essas 52 noites de filmagens foram 7 câmeras Alexas, trabalhando com ISO 1280 e obturador em 90º e diafragmas entre 2.0 e 2.8. Com exposição equivalente a ISO 640 e lentes Cooke S4 e Angenieux Optimo Lenses. Na equipe haviam 750 técnicos e mais de mil figurantes, sem contar a presença do elenco central.
E o episódio foi estruturado de uma forma que é o avesso do formato clássico do seriado de TV. O programa não se engessou em clichês. O primeiro avanço dos cavaleiros Dothrakis com suas espadas em chamas contra a escuridão foi sufocado sem um grito. Foi, aliás, um episódio cheio de ironias: Bravos homens não valeram de nada neste episódio, ao contrário, a força feminina foi mais importante. Todo mundo esperava que John Snow fosse um personagem decisivo para enfrentar o Rei da Noite, que o inteligente Tyrion conduziria os desprotegidos para um refúgio seguro e não para uma cripta, de onde obviamente o Rei da Noite acordou os mortos. E ainda que os dragões e Daenerys poderiam até morrer, mas não ficariam perdidos na névoa como aconteceu, e a gigante Brienne poderia até sucumbir, mas levaria muitos com ela. Sem dar spoiler, a conclusão do episódio veio de onde menos se esperava, e de uma forma rápida e precisa.
Nada aconteceu como se imaginava.
E, a propósito, por que isso seria ruim?
A frustração num espetáculo, seja na TV, no cinema, ou em qualquer outra mídia, também pode ser algo muito rico, inovador e poderoso. E foi esse triunfo que o diretor Miguel Sapochnik e sua equipe de centenas de colaboradores mais uma vez conseguiram.
Espera-se mais um confronto decisivo antes do fim da Temporada e, olha só: este, mais uma vez, será orquestrado por esse maluco Sapochnik e sua equipe.
O que há de maravilhoso nisso?
Que é impossível imaginar o que esses artistas reservam para nós.
Rush Video – Ideias em Movimento
Game of Thrones é uma aula de roteiro para aspirantes