O recente acidente durante as filmagens do faroeste americano “Rust”, que custou a vida da diretora de fotografia Halyna Hutchins, suscitou uma discussão sobre a segurança nos sets de gravação em todo o mundo. A profissional foi acidentalmente atingida por um disparo feito pelo ator Alec Baldwin que portava uma arma cenográfica. O diretor do longa, Joel Souza também foi alvejado de raspão. A polícia segue investigando o caso na tentativa de identificar os responsáveis pela tragédia. Mas independente do desfecho, a história acaba jogando luz sobre um tema importante e os detalhes, aos poucos, vão revelando que nem mesmo a mais importante indústria do cinema internacional está livre da negligência e descaso. A Rush Vídeo, produtora de conteúdo audiovisual, localizada em Campinas, interior de São Paulo, há 25 anos no mercado, sempre primou pela segurança de seus profissionais, acreditando que nada, seja prazo, orçamento ou a ânsia de obter o take perfeito, pode estar acima da segurança de todos os envolvidos. Além disso, em se tratando de armas, seja na vida real ou na ficção, todo cuidado é pouco.
Sobre este caso específico, o sindicato dos contrarregras, técnicos incumbidos de garantir que todos os pequenos detalhes estejam de acordo para o funcionamento da cena, chegou a divulgar que havia uma bala de verdade no cilindro, afirmando ainda que vários tipos de armas diferentes podem ser usadas num filme e a ideia é que pareçam verdadeiras. Já o especialista em efeitos especiais Zac Knight, que trabalhou em filmes como “Ouija: Origem do Mal”, “Sobrenatural: A Origem” e “Chips: O Filme”, apontou uma série de falhas de segurança no set de gravações de “Rust” e afirmou que Hutchins poderia estar viva tivessem sido respeitadas. O especialista explicou que várias regras foram implementadas e se transformaram em protocolos depois que Brandon Lee, filho do também ator Bruce Lee, morreu com um tiro acidental nas gravações do filme “O Corvo” (1993) porque havia uma bala presa no cano da arma cenográfica. “A regra número um é jamais ter munições verdadeiras em um set de gravação. Também é imprescindível que mais de uma pessoa verifique uma arma antes de ser disparada. Ela precisa ser vistoriada por um diretor assistente, passar por uma equipe até chegar ao ator, que ainda deve mostrar a todos que é uma arma segura. É inimaginável colocar uma pessoa na frente de uma arma que vai ser disparada, sem que esses protocolos sejam rigorosamente cumpridos”, afirmou o especialista. Vale ressaltar que diretores de fotografia trabalham operando a câmera e geralmente se posicionam perto dos atores, o que nesse caso foi fatal, pois Baldwin estava apontando a arma justamente na direção de Hutchins.
Confirmando a regra de que grandes tragédias normalmente são decorrentes de sucessivas pequenas falhas, neste caso uma diferença na legislação do Novo México também pode ter contribuído para o acidente fatal, já que por lá, ao contrário de outros estados americanos, não é obrigatório que um armeiro treinado, além de um representante da equipe de figurinos e acessórios, esteja presente em cena no momento da gravação. “Você encontrará os melhores e mais bem treinados profissionais em Los Angeles, mas esta realidade nem sempre se confirma quando se atravessa o país”, ressaltou o especialista em efeitos especiais. Além disso, o set de “Rust”, filme independente de baixo orçamento, produzido pelo próprio Baldwin, acumulava uma série
de outros problemas que, indiretamente, podem ter ajudado a compor o cenário para a tragédia, como uma jornada de trabalho exaustiva e salários abaixo da tabela. A insatisfação era tão grande que houve até uma ameaça de greve. “Há uma correlação direta entre a segurança de um set de filmagem com as horas trabalhadas dos técnicos. Não há segurança total se os envolvidos estiverem exaustos”, ponderou Knight
O ator foi interrogado pela polícia e liberado logo depois. Um funcionário do Departamento do Xerife de Santa Fé chegou a informar ao site de entretenimento TMZ que, “O Sr. Baldwin foi questionado por investigadores e liberado. Nenhuma prisão ou acusação foram realizadas”. A produção do longa está paralisada depois do acidente. No faroeste, Alec Baldwin interpreta um avô que foge com o neto depois que o adolescente mata acidentalmente um fazendeiro.
Protocolos Rígidos
Após a tragédia, o especialista brasileiro em gerenciamento de riscos Moacyr Duarte esteve entre os convidados do programa “Encontro”, apresentado por Fátima Bernardes, na Rede Globo, para comentar o ocorrido. “Armas funcionam com explosivos, geralmente pólvora, que é comprimida. Os acidentes reportados geralmente são referentes ao deslocamento de ar depois do tiro. Dependendo da proximidade, alguns fragmentos sólidos têm poder de perfuração. Não sabemos em quais condições esse tiro foi dado, se foi um teste, pois na cena a diretora de fotografia não estaria na direção nem no alcance do impacto”, explicou ele, que frisou a importância das verificações. “As checagens são fundamentais, é como um check list de piloto de avião, sempre verificando os elementos, desde a chegada ao set, passando pela cena/tiro, até a arma ser desmuniciada.” Moacyr explicou ainda que as cenas de tiro exigem protocolos muito minuciosos, com testagens, marcação de distâncias de alcance de fragmentos, medição de temperatura, verificação de equipamentos. “As armas só devem ir para o set no momento da gravação. Enquanto isso devem ficar isoladas, só sendo manuseadas por técnicos”.
Balas de Festim
De acordo com especialistas, para as filmagens de disparos normalmente são usadas balas de festim, que produzem um clarão e fumaça, mas são desprovidas de projétil, que é a parte da munição que atinge o alvo. Já para as cenas em que a bala precisa aparecer no tambor, o técnico remove a ponta da bala, retira a pólvora e recoloca a ponta da cápsula. Assim a bala aparece inteira, mas se o ator apertar o gatilho, não há disparo. Contudo, atualmente esse recurso está caindo em desuso. Muitas produtoras já preferem usar armas de ar comprimido, acrescentando o clarão e a fumaça produzida pelo disparo ou qualquer outro efeito necessário, durante a fase de pós-produção, através de computação gráfica. Um processo que pode ser mais trabalhoso, porém é absolutamente seguro. O episódio, apesar de lamentável, deve servir para a criação de regras ainda mais rigorosas para a manipulação de armas em sets de filmagem, que sabe abolindo de vez o uso de balas de festim, para que a vida de mais ninguém seja colocada em perigo em nome da arte.
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