Histórias de serial killers, crimes violentos e rituais macabros, sobretudo quando amparados em fatos reais, sempre despertaram a curiosidade do público e há tempos são material farto para produções audiovisuais. Seja no cinema, na TV ou agora nas plataformas de streaming, casos de grande repercussão acabam rendendo filmes, documentários e séries, sempre recheados de mistério. Afinal, por melhores que sejam as evidências, é normal que algumas dúvidas persistam e instiguem a imaginação popular. Foi assim que Hollywood notabilizou criminosos do calibre de Charles Manson, líder de uma seita que aterrorizou os americanos no final da década de 60, cometendo uma série de assassinatos, e Ted Bundy, serial killer boa pinta que se valia de seu charme para atrair suas vítimas, entre tantos outros. A novidade é que o filão agora, catapultado pelas plataformas de streaming, está aquecendo a produção nacional, que tem revisitado, com muito sucesso, casos que foram destaque na crônica policial brasileira. A tendência está agradando o público com produções caprichadas, que misturam realidade e, às vezes, pitadas de ficção para narrar casos que acabaram ficando famosos por sua repercussão, turbinada pelo poder de disseminação da Internet.  E dentro desta safra, alguns títulos merecem destaque. São opções diversas, algumas encenadas e com toques de ficção, outras em tom documental, mas todas amparadas em histórias reais.  A Rush Video, produtora de Campinas, interior de São Paulo, há 25 anos no mercado de produção audiovisual, acompanha de perto esta tendência, que também tem ajudado a fomentar o segmento, tão afetado pela pandemia da Covid-19, gerando empregos e ajudando a revelar talentos.

 

Beleza a serviço do Crime

A trajetória de Pedro Machado Lomba Neto, conhecido como Dom, vivido pelo ator Gabriel Leone – um atraente rapaz da classe média carioca, envolvido desde cedo com o submundo das drogas, que acaba se tornando líder de uma gangue criminosa – foi a escolhida pela Amazon Prime Vídeo como tema da primeira série original brasileira do serviço de streaming. Com produção da Conspiração Filmes, responsável por sucessos como “Dois Filhos de Francisco”, uma das maiores bilheterias do cinema nacional, a primeira temporada da série, com oito capítulos, mostra a infância, adolescência e a ascensão de Dom no submundo do crime, acompanhando a luta de seu pai, Victor Dantas (Flavio Tolezani), integrante do serviço de inteligência da polícia e engajado na luta contra o tráfico, para tentar afastar o seu filho da marginalidade. São jornadas opostas que, ocasionalmente, se espelham e se complementam, enquanto os protagonistas enfrentam situações que confundem os limites entre o moralmente correto e o inaceitável.

Na época do lançamento de “Dom”, Erika Grandinetti, irmã mais velha de Pedro, também retratada na série, fez um longo desabafo repudiando a produção e dizendo que ela não foi autorizada por sua mãe, Nídia Sarmento de Oliveira que, segundo ela, teve suas dores expostas e exploradas novamente por conta da atração. Pelas redes sociais, Erika ainda foi além, desmentindo a imagem de herói dada a seu pai. Polêmicas à parte, o fato é que a série fez um enorme sucesso e a segunda temporada já foi confirmada.

 

Netflix

Após o sucesso de Bandidos na TV, que narra a trajetória de Wallace Souza, político e apresentador de um programa policial, acusado de arquitetar os crimes brutais que apresentava em sua atração, a Netflix apostou em dois casos que chocaram o país. Em “Elize Matsunaga: Era uma Vez um Crime”, a assassina, condenada a 19 anos, 11 meses e um dia de reclusão por matar e esquartejar o marido, Marcos Matsunaga – herdeiro de uma famosa empresa do ramo alimentício – dá a sua primeira e única entrevista onde revive detalhes do seu casamento e as motivações para o assassinato. Com direção de Eliza Capai, o documentário em quatro episódios traz também depoimentos de pessoas ligadas ao casal, advogados, cenas do julgamento e a reconstituição do crime feita pela polícia.

Conforme explica no documentário o advogado Luciano Santoro, a estratégia da defesa de Elize em seu julgamento foi humanizá-la. Por este aspecto, é possível especular que esta também tenha sido a motivação para que Elize aceitasse gravar para a Netflix, o que lhe permitiu contar a história a partir do seu ponto de vista, enfatizando a relação tóxica, abusiva e o medo de perder a guarda da filha casal. Existe justificativa para o assassinato do próprio marido? Foi um crime premeditado? O ato de picotar o cadáver pode ser interpretado como requinte de crueldade? Essas são algumas perguntas debatidas ao longo da produção.

Outra atração do gênero disponível na Netflix, é a série documental “João de Deus: Cura e Crime” que se debruça sobre as mais de 200 denúncias de abuso sexual contra o médium João de Deus, idolatrado e com fama internacional por causa de suas cirurgias espirituais, que lhe permitiram construir um império no interior do Brasil.  Vale lembrar, que cerca de um ano antes, estreava no Globoplay a minissérie documental “Em Nome de Deus”, produzida pela equipe do programa “Conversa com Bial”, onde surgiram as primeiras denúncias de assédio sexual contra o médium, em dezembro de 2018.

Ainda em tom de documentário, a Globoplay investiu também na minissérie “Caso Evandro”, derivada de uma série de podcasts chamada Projeto Humanos, comandada pelo jornalista Ivan Mizanzuk que atraiu a atenção por destrinchar uma história repleta de mistérios, inclusive, trazendo a público novas informações. Em abril de 1992, o menino Evandro Ramos Caetano, de 6 anos, despareceu misteriosamente em Guaratuba, no litoral do Paraná. Dias depois, seu corpo foi encontrado em um matagal da cidade, sem vários órgãos, com mãos e pés amputados. Elementos como vingança, infidelidade conjugal, conspiração política e rituais satânicos marcaram a investigação do caso, que também ficou conhecido como As Bruxas de Guaratuba. Coincidentemente, na mesma época, outras crianças também desapareceram, causando revolta da população e pânico. “Tentei ser o mais respeitoso possível. Infelizmente, quando um crime acontece, ele se torna uma história da sociedade. Falar de crime é lidar com a dor dos outros e abrir feridas. Tudo que produzi até hoje serve para entender local, contexto e sistema. O Caso Evandro é um grande ensinamento sobre como é o nosso sistema criminal”, declarou Mizanzuk na época do lançamento da série.

 

Praia dos Ossos

Também oriunda de um podcast, o excelente “Praia dos Ossos”, disponível em plataformas como Deezer e Spotify, vai se transformar em série de ficção pelas mãos da Conspiração Filmes para a Netflix. Idealizado por Branca Vianna, o podcast revisita o assassinato da atriz Ângela Diniz sob uma perspectiva feminista, ao questionar a tese de que Raul Fernando do Amaral Street, o Doca, agiu em “legítima defesa da honra” ao matar a namorada, nos anos 70.  A produção original é um mergulho inédito em acervos de jornais, rádios e redes de televisão, além de trazer a leitura de autos do processo e mais de 60 entrevistas, inclusive do próprio Doca, concedida pouco antes da sua morte. “Fiquei surpresa ao descobrir que esse crime não era conhecido das gerações mais novas, apesar de ter sido tão noticiado na época e da importância que ele teve para o movimento feminista. Achei que seria um bom momento para as jovens feministas conhecerem o trabalho das veteranas”, afirmou Branca Viana em entrevista. O lançamento da série “Praia dos Ossos” ainda não tem data de estreia.

 

Rush Video – Ideias em Movimento